No âmbito da programação do Ano Santo do Jubileu
Extraordinário da Misericórdia, o Papa Francisco vai proclamar a santidade de
Madre Teresa de Calcutá, como um ícone da misericórdia de Deus. A partir da
celebração do rito de canonização, que acontecerá no dia 4 de setembro de 2016,
no Vaticano, ela poderá ser venerada de forma pública, nos altares, por toda a
cristandade. “Cidadã do Mundo” e “Prêmio Nobel da Paz”, a canonização irá
confirmar o que já acontece desde que ela iniciou sua missão, em 1949, ao fundar
a Congregação das Missionárias da Caridade, de servir a Deus nos seus
prediletos – os mais pobres entre os pobres.
A canonização será possível porque o Santo Padre reconheceu
um milagre atribuído à religiosa: a cura inexplicável de Marcílio Haddad
Andrino, ocorrida em dezembro de 2008, que se recuperou dos múltiplos tumores
que tinha no cérebro.
Na entrevista, Marcílio e sua esposa, Fernanda Nascimento
Rocha Andrino, que a todo tempo esteve ao seu lado, acompanhando e rezando pela
sua saúde, contam todo o processo que culminou com a cura.
Entrevista com Marcílio Haddad Andrino
1 – Conte um pouco sobre a sua história de vida?
Marcílio Haddad Andrino – Nasci em Santos (SP), no dia 28 de
agosto de 1973, e tive uma infância normal, feliz. Sempre tive uma ótima
convivência com meus familiares, meus irmãos. Minha mãe sempre me levava à
Igreja Católica, fiz a Catequese e a Primeira Comunhão. Aos seis anos, descobri
que tinha uma doença renal e comecei a fazer tratamento. Meu irmão Mauro, oito
anos mais velho do que eu, que me doou um rim, e minha irmã Marta, dez anos
mais velha, cuidaram de mim junto a meu outro irmão, quatro anos mais velho,
chamado Maurício, a quem eu sou mais próximo desde criança. Apesar da doença,
eu era totalmente saudável. Tinha muitos amigos, corria, jogava bola, brincava.
Uma coisa que eu não podia fazer era comer muito sal. A doença complicou quando
eu tinha 18 anos, e cheguei a parar de raciocinar, tinha câimbras pelo corpo.
Passei por um neurologista, fiz exames e os resultados estavam acima da média,
mas surpreso porque ainda conseguia andar. Aos 19 anos, depois de fazer
hemodiálise durante nove meses, fiz o transplante renal. Mas mesmo assim,
sempre vivi muito bem, até hoje, 22 anos após o transplante, estou
completamente bem, meus exames estão normais, sem problema nenhum.
2 – Existem casos na família?
Marcílio – Na minha família não há precedentes da doença,
fui o único. O médico não sabe o motivo que ocasionou a doença. Para mim, eu
sempre fui normal e sempre aceitei a minha condição, assim como, apesar de
tudo, sempre acreditei em Deus. Nas consultas que fazia periodicamente, minhas
taxas eram altas, mas não tive muito sofrimento físico. Na maioria das vezes, o
doente renal é apático, se cansa rápido, mas comigo isso não aconteceu, sempre
fui ativo. Sempre fui à Igreja, acredito muito em Deus, e a fé me deu forças
para sempre estar bem.
3 – Qual é a sua formação profissional?
Marcílio – Na época do tratamento, quando fiz o transplante
renal, eu já estava na Faculdade de Engenharia Industrial, hoje Centro
Universitário da FEI, em Santos, mas tive que me afastar de tudo e perdi um ano
de estudos. Depois, retornei à faculdade e me formei em engenharia mecânica no
ano de 1997. Escolhi essa profissão porque sempre gostei de contas: cálculo,
matemática, física. Era com o que eu mais me identificava. Comecei a faculdade
pensando em engenharia elétrica, mas depois de um ciclo básico com todas as
disciplinas, eu me identifiquei mais com engenharia mecânica. Também morei por
seis meses em São Bernardo do Campo (SP), onde fiz mestrado, e em Campinas (SP)
quando fiz o doutorado. Em 2007, terminei o doutorado e, ao passar num concurso
público, comecei a morar no Rio de Janeiro.
4 – Quando surgiram os primeiros sintomas?
Marcílio – Aos 34 anos, começaram a surgir os primeiros
sintomas no cérebro: eu tinha visão dupla. No terceiro dia das primeiras
férias, em abril de 2008, após um ano efetivado no emprego, retornei a Santos,
quando tive a primeira convulsão. Foi uma convulsão fraca: caí para o lado,
ficou tudo cinza, via tudo ao meu redor, ouvia o que as pessoas falavam, mas
não conseguia responder. Aos poucos fui retornando, consegui falar e levantei
normalmente. Isso nunca havia acontecido antes. Não voltei mais ao Rio, fui
para São Paulo procurar descobrir o que eu tinha. Fui consultado por vários
neurologistas, fiz vários exames, mas ninguém sabia o que era. Quando
internado, fiz muitas ressonâncias e muitas tomografias. Um neurologista, após
ver meu exame, disse: ‘Marcílio, eu não sei o que você tem’. Fiquei sem
tratamento de abril até ser internado. Outro achou que era esclerose múltipla,
depois pensou que fosse outra doença e ficou me tratando só com cortisona, o
que só desinflamava. Fiz dois exames para a retirada de líquido da medula e,
mesmo assim, ninguém descobria.
5 – Como descobriu a doença?
Marcílio – Depois de várias convulsões, tive uma muito
forte, na qual eu fiquei completamente apagado e fui internado num hospital de
Santos. Meus familiares estavam com os exames na mão e um médico neurologista
conseguiu descobrir: eu estava com abscesso cerebral. Ele foi o primeiro a
descobrir o que eu tinha. A partir da descoberta, eu passei a fazer o
tratamento com dois antibióticos, e um deles deu reação. Saí do hospital
tomando dois antibióticos na veia toda hora. Eram quatro injeções por dia,
acabei ‘perdendo todas as veias’. Passei a ser medicado na coxa e na perna, e
quando não foi mais possível nesses lugares, o médico decidiu pela
cateterização venosa central com a intra-cath. Senti uma dor horrível, muito
forte. Quando fui à UTI, precisei colocar outro intra-cath por que o primeiro
havia saído.
6 – Como foi o tratamento?
Marcílio – Nesse período, de abril a outubro de 2008, não
tive melhoras, pelo contrário, fui piorando cada vez mais. Chegou um momento em
que praticamente não conseguia mais andar. Meu lado esquerdo estava parando aos
poucos. Fui internado desacordado, mas eu ainda andava, cambaleando, e
conseguia ir ao banheiro. Dez dias depois de internado, na parte da manhã eu
fiz fisioterapia (comecei a fazer no hospital mesmo), almocei e deitei um
pouquinho. Às duas da tarde, eu já não conseguia mais andar. De uma hora para
outra meu lado esquerdo paralisou. Não conseguia mexer nem o braço nem a perna
esquerda. A partir disso, eu fiquei totalmente dependente de ajuda. Após as
fisioterapias, eu ia para fora andar. Mas, praticamente, me colocavam em pé
para dar um passo de cada vez. Até eu conseguir chegar à máquina de café que
tinha no hospital, era quase meia hora. Uma pessoa precisava estar ao meu lado,
do contrário, desabava, não tinha equilíbrio nenhum, mesmo com a medicação. De
uma manhã para uma tarde, perdi o lado esquerdo e o equilíbrio.
7 – Você chegou a pensar que iria morrer?
Marcílio – Às vezes, eu tinha dores de cabeça e o médico me
aplicava um analgésico. Na manhã do dia 9 de dezembro de 2008, acordei com uma
dor de cabeça muito forte, não conseguia pensar em nada. Essa sim foi a pior
dor que tive até hoje. Pedi para que minha esposa chamasse alguém, porque eu
não estava aguentando. Aplicaram-me morfina e eu apaguei completamente. Depois
me levaram ao centro cirúrgico para fazer uma operação. Nesse dia eu pensei que
fosse morrer. Durante um momento de delírio, minha esposa contou que eu disse:
‘pede para as pessoas rezarem por mim’. Quando acordei (no mesmo dia, logo
depois do almoço), estava no centro cirúrgico. A operação era para ser feita
naquele dia, mas não aconteceu porque a anestesista não conseguiu me entubar,
pois estava com secreção no pulmão, e o dreno que colocariam na minha cabeça
não estava sendo autorizado pelo plano de saúde. Então, teve muita demora por
conta desses problemas (contaram isso para ele). No dia seguinte já não tinha
dor de cabeça.
8 – A cura foi um novo ‘nascimento’
Marcílio – O dia da dor de cabeça foi o mais crítico de
todos. A partir do dia 10 de dezembro, acabou a dor de cabeça. O líquido que
tinha na minha cabeça foi escoado e os abscessos começaram a sumir. Fiquei
somente com as cicatrizes. Desobstruiu-se a passagem do líquido que estava
acumulando. A partir desse dia, comecei a sentir as melhoras. O meu médico
disse: ‘Você não tem mais nada. Só vamos acompanhar a evolução’. Acho que
muitos acharam que eu ia morrer. Depois do dia da dor de cabeça, fiquei
internado por mais treze dias.
9 – A cura foi instantânea?
Marcilio – Uma coisa que sempre explico às pessoas é que eu
não saí andando no dia seguinte, mas a partir daquele dia eu tive uma melhora
impressionante. Tanto que depois de treze dias já sai do hospital, no dia 23 de
dezembro. Fui internado no dia 9 e saí dia 23 de dezembro. Do mesmo jeito que
piorei, também melhorei. De manhã eu andava, à tarde parei de andar; depois
desse dia foi mais ou menos parecido. De uma hora para outra também passei a
perceber uma melhora rápida. Depois passei por seis meses de fisioterapia. A
cura aconteceu no mesmo dia, à tarde, logo depois do almoço. Meu maior medo,
desde o início dos sintomas, era parar tudo e só ficar mexendo os olhos. Esse
sempre foi meu maior medo.
10 – Como a Madre Teresa entrou na sua vida, na sua
história?
Marcílio – Quando comecei a sentir os primeiros sintomas, em
abril de 2008, ainda não era casado, mas já estava com o casamento marcado para
o dia 27 de setembro do mesmo ano. Casei doente, sem saber o que eu tinha. Não
me senti bem na viagem de lua de mel, não aproveitei nada. Estava inchado,
irreconhecível, por conta da cortisona. Fui internado após retornar da lua de
mel. Em outubro, a Fernanda foi falar com o padre Elmiran Ferreira, da Paróquia
Nossa Senhora Aparecida, em São Vicente (SP). Ele celebrava missas na casa das
Missionárias da Caridade, e quando a Fernanda foi lá, ele ofereceu uma relíquia
das vestes de Madre Teresa, dizendo que rezasse pedindo sua intercessão, já que
ela foi uma pessoa de coração misericordioso, preocupada com os mais sofridos.
11 – Vocês pediram a intercessão da Madre Teresa?
Marcílio – Todo dia, a partir do final de outubro, a
Fernanda colocava o santinho com a relíquia da Madre Teresa debaixo do
travesseiro e a gente rezava toda noite. Numa das vezes, ela deixou debaixo do
travesseiro e o pessoal da limpeza levou tudo. Ela retornou à paróquia e o
padre deu outro santinho. Tinha também um livrinho de orações da Madre Teresa.
No dia em que eu tive a dor de cabeça, a Fernanda colocou o santinho debaixo do
meu travesseiro ainda no quarto, mas retirou quando me levaram para a sala de
cirurgia. As enfermeiras acharam que eu fosse ficar um período na UTI, mas,
como no dia seguinte eu já não sentia mais dor, me levaram a outro quarto.
12 – Você sentiu a cura?
Marcílio – No dia seguinte ao dia da dor de cabeça, a
Fernanda me contou que orou fortemente a Madre Teresa quando saiu do hospital.
Quando entrei para o centro cirúrgico, ela ficou tão abalada que saiu do
hospital e rezou, insistentemente, a Madre Teresa. Para a Fernanda, foi a
intercessão, foi um milagre da madre. Tanto que no dia seguinte o meu quadro
melhorou. Ela encontrou o médico, ele disse que eu estava bem e aí ela conectou
os fatos. Quando eu estava com muita dor de cabeça, acordei sem saber o que
estava acontecendo. Apaguei numa hora e acordei noutra. Fui mantido em coma
induzido. Senti uma paz muito grande, foi algo impressionante. Uma gratidão.
Nenhum médico me dava esperança e como, de uma hora para outra, fiquei curado?
Foi por intercessão de Madre Teresa. Ninguém sabia o que eu tinha, somente o
último médico.
13 – Houve sequelas que impediram o retorno ao trabalho?
Marcílio – De 2008 para cá, minha saúde está perfeita, os
exames estão um pouco altos, mas normais. Faço exames a cada dois meses. Como
recebi um transplante há 22 anos, não posso bobear. Fiz muitos exames de
perícia e achei que seria aposentado. A maioria das vezes, era a Fernanda quem
vinha, porque eu não conseguia. Teve uma época em que o médico perguntou se eu
falava e entendia as coisas, se sabia quem ela era. Após os seis meses de
fisioterapia que precisei fazer assim que saí do hospital, pedi que meu médico
fizesse um laudo atestando que eu já estava apto para trabalhar. Imediatamente
voltei para o Rio e comecei a trabalhar. Tive sequelas depois da convulsão,
minha vista entortou e passei a enxergar duplo. Isso não me atrapalha em nada,
porque meu trabalho é burocrático. Fiz questão de voltar ao trabalho e hoje
faço um serviço totalmente intelectual. Estou cem por cento.
14 – Como o caso veio a público?
Marcílio – Quando o padre Elmiran Ferreira tomou
conhecimento sobre a cura repentina, ele sugeriu que tornássemos o
acontecimento público. Fiz um depoimento por escrito em quatro folhas e
enviamos para o postulador da causa, padre Brian Kolodiejchuk. No dia 19 de
junho de 2015 foi aberto o processo na Diocese de Santos e acharam que era
válido. A partir disso, começaram as investigações. Uma comissão veio várias
vezes a minha casa, inclusive o postulador. Já com as Missionárias da Caridade,
eu estou em contato desde 2010. O encontro que tivemos foi para recolher os
exames, saber o que eu sentia. Elas pediam muito a declaração do meu médico,
que entregou por escrito, depois de muito tempo.
15 – Está feliz com o anúncio da canonização?
Marcílio – Fiquei muito emocionado por conta de o meu caso
ter validado a canonização de Madre Teresa, depois de tantos casos que eles
estavam analisando e viram que o meu era o mais válido e com fatos mais
contundentes. Estou muito feliz pela canonização de Madre Teresa, e acho que
precisa ser mostrado para o mundo a grande santa que ela foi, e agora como
santa mesmo. Também estou um pouco assustado com a repercussão. Eu tinha
conhecimento de seu trabalho desde 1997, quando ela morreu. Não me lembro
quando ela recebeu o Prêmio Nobel da Paz, era ainda muito jovem, mas sempre li
a respeito. A devoção teve início a partir do momento em que o padre nos
entregou a relíquia. Estamos nos preparando para ir a Roma na canonização.
Estou emocionado em saber que vou levar a relíquia da Madre Teresa e entregá-la
para o Papa Francisco.
16 – Como é a vida de um miraculado?
Marcílio – Após o milagre, minha fé aumentou muito. Acredito
que existe um Deus que olha por cada um de nós. Vejo Deus em todas as coisas,
até mesmo nas pequenas. Antes, eu não conseguia dar um passo, hoje eu agradeço
por poder andar. Vejo que tudo tem a mão de Deus, até no simples andar. Sempre
fui um homem de fé, agora, ainda mais.
Hoje eu vejo a vida de outra forma. Fico impressionado como agora um
simples andar é importante pra mim. Os pequenos detalhem fazem diferença. Só
quem sente na pele, sabe o que estou dizendo. Vi pessoas falando assim: deixa
ele se virar! Mas até para passar manteiga no biscoito eu tinha dificuldades.
Conseguir andar, comer, ser independente, isso me deu outra visão sobre a vida.
17 – Qual é o valor da família para você?
Marcílio – A família é muito importante na vida de uma
pessoa. Quando internado, recebi visitas dos meus pais, dos meus familiares. A
minha esposa esteve sempre muito presente. A família ficou completa depois que
meus filhos, a Mariana e o Murilo, nasceram com saúde, já que muitos diziam que
eles poderiam nascer com problemas devido aos medicamentos e à minha doença
renal. Porém, eles nasceram cheios de vida e de saúde. Tenho uma família ótima,
totalmente saudável e feliz. Hoje, Madre Teresa faz parte da minha vida. Temos
a sua imagem até mesmo no carro, em vários lugares da casa. Rezamos todos os
dias e explicamos aos nossos filhos tudo o que aconteceu, e continuamos a pedir
a intercessão de Madre Teresa. Até meus filhos já aprenderam a sua oração.
Entrevista com Fernanda Nascimento Rocha Andrino
1 – Conte um pouco de sua vida e de sua caminhada de fé?
Fernanda Nascimento Rocha Andrino – Nasci em Santos (SP), no
dia 12 de novembro de 1973. Sou professora de educação infantil, formada em
pedagogia e pós-graduada em psicopedagogia, e especialista na área de educação
infantil. Já fui concursada nas prefeituras de São Vicente, Santos e Praia
Grande. A religiosidade na minha família vem de longe. Meu avô ajudou na
construção da antiga igrejinha de Nossa Senhora Aparecida, que era na Vila
Margarida e hoje está na Cidade Náutica. Ele fez parte da comissão que foi
buscar em Aparecida, há mais de 50 anos, a imagem da padroeira, ainda venerada
na igrejinha de Nossa Senhora Aparecida. Nessa comunidade fui batizada, fiz a
primeira comunhão, crisma, casei e batizei meus filhos. Meu relacionamento com
Deus sempre foi muito próximo. Frequentei grupo de jovens, sempre gostei da
vida na Igreja, de ajudar ao próximo, principalmente, da oração, porque tenho
certeza de que ela transforma tudo.
2 – Como você conheceu seu esposo?
Fernanda – Nos conhecemos em 2000 e casamos em 2008. No
nosso primeiro encontro, ele falou para mim que era transplantado renal. Aí eu
falei pra ele: ‘Mas o que eu tenho a ver com isso?’. Ele respondeu que gostava
de deixar claro para depois eu não dizer que não sabia que ele tinha problema
de saúde. Meu pai pouco acompanhou nosso namoro, porque em 1996 ele sofreu um
acidente de carro e fraturou a coluna. Sofria dores horríveis. Ele conheceu o
Marcílio, mas não tiveram muito contato, porque vivia internado. Quando nos
conhecemos, o Marcílio fazia mestrado. Por conta do problema de saúde, ele não
conseguia emprego. As empresas, em geral, têm resistências em aceitar pessoas
com problemas de saúde. Só depois que ele passou num concurso público no Rio,
que era algo que ele queria, aí sim marcamos o casamento, sem pressa.
3 – O que aconteceu depois que vocês marcaram o casamento?
Fernanda – Foi uma fase difícil! Demoramos a marcar o
casamento, e quando resolvemos nos casar, ele começou sentir tonturas. Eu me
sentia insegura porque ninguém descobria o que ele tinha. Depois de forte
convulsão, ele foi internado no Centro Médico, em Campinas. Passou por um
médico, na mesma região, que fez um tratamento de pulsoterapia, que agravou
ainda mais o quadro. Só soubemos depois, que, por ele ser transplantado renal,
não podia ter feito esse tipo de tratamento. A saúde dele estava ficando debilitada
e a data do casamento se aproximando. Quando se casa, espera-se a plenitude,
principalmente com a saúde, e não foi isso o que aconteceu. Como toda noiva,
queremos um casamento perfeito, com tudo do nosso gosto. No início, o Marcílio
conseguia me acompanhar nos preparativos, mas depois não mais, tampouco eu
diante da situação. Entrei em contato com os fornecedores e pedi para que
fizessem da melhor forma, do jeito que achariam que ficaria bonito. Aquilo era
tão pouco perto do tempo que eu precisava ficar perto dele.
4 – Você pensou em desistir do casamento?
Fernanda – Apesar da situação, mantive o propósito do
casamento, porque embora ele estivesse ficando com a saúde debilitada, ele não
deixava de ser o Marcílio, a essência dele não se perdia. Não era uma pessoa
estranha, um desvalido porque estava doente. O amor não vê nada disso. E aí nós
nos casamos assim mesmo. A cada convulsão, ele voltava com alguma sequela, por
mínima que fosse. No dia do nosso casamento, na igrejinha, ele teve uma
convulsão. Fui trabalhar de manhã (casamos na sexta, durante a missa). Na hora
do almoço, comentei com a minha mãe que o Marcílio ainda não havia ligado.
Quando liguei, a mãe dele disse que ele havia tido uma convulsão muito forte e
que não estava bem. Algumas pessoas que foram ao nosso casamento, que já sabiam
de toda a situação, diziam para eu não me casar, por que ele era um homem
doente. Ele estava doente sim, mas era o Marcílio que eu amava. E amo até hoje.
Tanto que sempre fiquei ao lado dele, firme na oração.
5 – Como foi o casamento?
Fernanda – Eu pedi a Deus discernimento para que eu não
forçasse o Marcílio a casar comigo se ele achasse que não deveria. Eu nunca
havia perguntado se ele ainda queria casar comigo. A minha vontade sempre foi
ficar junto com ele, e sempre achei que ele também queria. Mas eu fiquei com
muito medo. Junto com o padre Elmiran, fomos à casa do Marcílio para conversar.
Ele disse que casaria comigo assim mesmo. E casamos. Ele não estava bem, estava
desequilibrado fisicamente, pois não conseguia andar em linha reta nem ficar em
pé sozinho. Disse ao padre Elmiran que ele não conseguiria atravessar a igreja
sozinho, e que, num caso atípico, eu iria entrar com ele. Foi o que aconteceu.
Atravessamos a igreja juntos, de braços dados até o altar. Como ele não
conseguia ficar em pé, fiquei sentada ao lado dele. Meu único medo era que,
como ele estava ficando com lapsos de memória, na hora em que o padre
perguntasse: “Você aceita casar com Fernanda”, ele perguntasse: “Quem é a
Fernanda?”. Mas deu tudo certo. No dia seguinte foi o casamento no civil. Na
lua de mel, a cada dia ele ficava mais debilitado. O guia turístico foi muito
gentil e me ajudava a amparar o Marcílio. Foi uma lua de mel tumultuada, mas
nunca lamentamos o que aconteceu. Nunca questionamos a Deus por nada, nem
ficamos tristes ou desanimados. Sempre tivemos a esperança de que tudo seria
solucionado, só não sabíamos como. De alguma forma o problema seria resolvido.
6 – Ele teve alguma melhora depois do casamento?
Fernanda – Depois que nós nos casamos, ele continuou tendo
as convulsões. No dia 20 de outubro, ele teve uma convulsão muito forte; eu
estava trabalhando, e minha sogra ligou pedindo para que eu voltasse rápido
para casa. Ele ficou internado numa policlínica em Santos, porque as convulsões
não paravam. E os médicos disseram que ele só poderia sair para ir a um
hospital que tivesse vaga na UTI. Chegamos ao hospital onde ele fez todo o
tratamento, que foi no período de 20 de outubro até o dia 23 de dezembro de
2008.
7 – Como Madre Teresa manifestou-se na sua vida?
Fernanda – Primeiro foi através da minha chefe, Adiles, da
Prefeitura de Santos. Ela teve um aneurisma no cérebro e me contou: ‘Fernanda,
eu tive um aneurisma e foi Madre Teresa quem me curou. Mas eu não tenho como provar,
nem quem possa garantir isso, mas eu tenho certeza de que foi ela’. Ela me deu
um livro de orações, com a novena de Madre Teresa. Eu cheguei a fazer a novena
nas intenções do Marcilio, mas sem muita certeza. Mesmo internado, era visível
que o tratamento médico não estava resolvendo. Ele ia piorando a cada dia. Um
dia procurei o padre Elmiran, que me dava assistência espiritual, e disse-lhe:
‘padre, não sei mais o que fazer. Eu rezo tanto, mas eu vejo que a situação do
Marcilio não está melhorando’. Nesse mesmo dia, ele esteve com as Missionárias
da Caridade, em Santos. Ele tirou do bolso a oração com a relíquia de Madre
Teresa e disse-me: ‘Fernanda, faça essa oração. Se apegue à Madre Teresa’. Na
mesma hora, lembrei-me da Adiles e pensei: ‘preciso ter essa ligação forte com
Madre Teresa’.
8 – Desta vez você rezou com mais convicção?
Fernanda – Comecei então com mais afinco do que antes.
Pegava a oração, colocava na cabeça do Marcílio, nos pontos em que o médico
falava que tinham os abscessos, pois eram eles que faziam a situação ficar a
cada dia pior. Isso era todo dia. Eu me afastei do serviço para ficar com ele.
Nós fazíamos essa oração várias vezes ao dia. Sempre. Eu deixava sempre debaixo
do travesseiro dele, porque, como o abscesso era na cabeça, eu deixava ali. Um
dia, foram fazer a troca do jogo de cama e levaram junto. Eu me desesperei
quando fui procurar e não estava lá. Voltei até o padre Elmiran e pedi outra
oração de Madre Teresa. E continuei. Embora a situação estivesse piorando, eu
sabia que no momento certo ela iria agir. Nunca desanimei. Sabia que teria
jeito, só não sabia como nem quando. Tinha certeza de que Deus não nos
abandonaria.
9 – O que fez Marcilio piorar?
Fernanda – Na noite do dia 8 de dezembro de 2008 para o dia
9, o estado de Marcilio era atípico, estava ruim como nos outros dias, mas era
diferente. Alguma coisa fora do padrão. Ele reclamava de uma dor de cabeça
incessante, que nenhum remédio funcionava. Logo cedo, liguei para os nossos
familiares e disse que ele estava muito ruim. Insisti que fizessem mais
orações, pedindo a intercessão de Madre Teresa. Aumentavam a dose de remédio, e
eu dizia: “Madre Teresa, seja nossa luz, ilumina nossos caminhos. Joga uma luz
sobre o Marcílio, toca o Marcílio, opera um milagre, acaba com esse sofrimento
da melhor forma possível”. E assim foi durante toda aquela manhã. Foi nesse dia
que nós, com mais afinco rezamos, e tínhamos convicção de que Madre Teresa
agiria. Foi o dia mais difícil, e, ao mesmo tempo, o dia mais feliz.
10 – Porque nada dava certo quando ele mais precisava?
Fernanda – Madre Teresa foi tão boa! Não entendemos os
desígnios de Deus naquele momento, só depois. O médico veio e disse que ele
havia feito os exames, mas que o Marcílio estava acumulando líquido no cérebro,
um quadro de hidrocefalia, e precisavam colocar uma válvula para drenar o
líquido. O convênio médico demorou a autorizar. Quando foi autorizado, a
válvula precisava vir de São Paulo. O médico dizia que a demora diminuía as
chances. Mas eu continuava firme. Quando o dreno chegou, o anestesista falou
que ele não tinha condições de ser entubado e passar por uma cirurgia. O médico
disse que não tinha o que fazer, porque ele precisava ser operado, mas não
tinha condições, e que ele ficaria na UTI. O quarto em que ele estava precisou
ser desocupado. Tive que ir embora, porque os familiares não podiam ficar na
UTI. Fui até a porta da UTI e disse: ‘Madre Teresa, eu vou, mas fica com o
Marcílio, acompanhe-o, faz o que for preciso. Se não for da forma que eu
quiser, se o caminho dele for ficar ao seu lado, ajude-nos nessa hora’.
11 – O que você fez quando não podia mais ficar perto dele?
Fernanda – Fui para casa, mas nem me lembro como consegui
chegar. Minha irmã disse-me que havia passado no hospital para me buscar. Só
recordo que quando cheguei em casa, eu chorei muito. Mas depois me lembrei de
que não podia desanimar naquela hora. Lembro que eu me despojei de tudo, me
ajoelhei, fechei os olhos e eu pedi, era o que podia fazer. Eu supliquei. A
impressão que eu tenho é de que eu já não estava mais ali naquele quarto, de
tanto que eu pedi. Rezei tanto a Madre Teresa, fiz a oração infinitas vezes. Eu
tinha uma medalhinha comigo, eu imaginava o Marcílio e colocava a medalhinha na
cabeça dele e dizia: ‘Madre Teresa, nesse momento eu te peço, vai ao quarto do
Marcílio, esteja com ele, coloca a mão na cabeça dele e cura, tira todos os
abscessos, põe tuas mãos, a tua luz, Madre Teresa; a luz que te ilumina
desobstrui o cérebro do Marcílio para essa água drenar’. Eu pedi, mas eu pedia
muito. Fiz como uma criança que quer um brinquedo e o pai fala que não pode,
mas a criança suplica. Foi o que eu fiz, supliquei. Tenho certeza de que nesse
momento ela me ouviu, estava ao lado dele, colocou as mãos sobre ele e o curou.
À noite, eu não fui à visita porque eu já estava tão desgastada que, depois da
oração, eu dormi, dormi muito. Minhas energias foram todas para pedir a Madre
Teresa.
12 – Como foi a noticia da cura?
Fernanda – No dia seguinte à visita, o médico nos aguardava
na porta do hospital e disse que precisava conversar conosco. Não tive medo
nessa hora, porque alguma coisa me dizia que eu teria uma boa notícia. O médico
disse-nos: ‘Não sabemos o que aconteceu, mas o Marcílio não tem mais dor de
cabeça. Ele está bem, dormiu bem e ele vai para o quarto’. Depois disso, quando
repetiram os exames, ele não tinha mais hidrocefalia; no lugar dos abscessos
havia somente cicatrizes. O médico ainda disse-nos: ‘Não sei o que aconteceu, a
medicina não explica o que houve com o Marcílio; só pode ser alguém lá em
cima’. Liguei para todos os familiares e disse que Madre Teresa tinha vindo ao
hospital e curou o Marcílio. Porém, ele não levantou e saiu andando, teve todo
um processo de recuperação pela fisioterapia. Mas esse fato foi no dia 9 de
dezembro de 2008, ano em que nós nos casamos. Dez dias depois, ele teve alta
para ir pra casa.
13 – Você atribuiu também à Madre Teresa o nascimento de
seus filhos?
Fernanda – No dia em que o médico disse que o Marcílio teria
alta, ele me chamou e falou: ‘Vocês casaram agora. Todo casal que casa, almeja
ter filhos, uma família. Mas não tenha essa esperança. Porque ele é transplantado
renal, tomou muitos remédios desde os seis anos, além dos remédios aqui. Então,
a chance de vocês terem filhos é mínima’. Em fevereiro de 2009, nós fomos a uma
clínica e ele fez exames. Os resultados revelaram que a chance de termos filhos
era de menos de 1%. O médico sugeriu um tratamento, e que aproveitássemos os
melhores espermatozóides. Não aceitamos. Se Deus não permitisse que tivéssemos
filhos, pensamos na adoção, pois há muitas crianças que precisam de um lar.
Quando Marcílio voltou a trabalhar e a morar no Rio, eu vinha com ele. Um dia
passei muito mal e fomos ao hospital. Achei que fosse o calor, pois não me
adaptava ao clima da cidade. O médico disse que eu estava grávida. Lembro-me
que falei: ‘Olha, eu gostaria e me sentiria realizada’. Ele me passou um exame
e deu positivo, nós não acreditamos, achando que estava errado. Quando fizemos
o ultrassom, ouvi o coraçãozinho da Mariana, que nasceu em 2010. Nunca me
esqueço desse momento. Devido ao histórico do Marcílio, foi uma gravidez cercada
de cuidados. Depois, engravidei novamente e tive um aborto espontâneo, o que a
medicina chama de ovo cego, quando o embrião não desenvolve. Sofri muito
fisicamente. A médica achava que era problema hormonal, mas já estava quase
entrando num quadro de infecção generalizada. Meses depois, engravidei do
Murilo, que nasceu em 2012. Digo que as gestações que eu tive foram uma
extensão da graça de Madre Teresa. E até hoje ela nos acompanha. Passamos isso
aos nossos filhos, para que eles também agradeçam a Madre Teresa. Quando
rezamos, sempre repito nas orações: Madre Teresa de Calcutá, e eles respondem:
rogai por nós.
14 – Como você vê a vida hoje?
Fernanda – Eu, como o Marcílio, passamos a ver graça em
tudo. Até mesmo numa topada que dá e machuca o dedo, a gente consegue ver a
graça de Deus. Nós aprendemos que nem tudo acontece na hora e da forma que a
gente quer. Se não acontece, é porque não era naquele momento, tinha de
caminhar mais um pouquinho. Não foi em vão que passamos por momentos difíceis.
Tenho certeza de que a doença fortaleceu ainda mais a nossa vida, nosso amor, a
nossa fé. Nunca tivemos um desentendimento, e faz sete anos que estamos
casados. Foram tantos momentos difíceis, mas o sofrimento foi necessário. A dor
fortaleceu nossa fé e nosso casamento.
15 – Que valor tem a família para você?
Fernanda – Família é tudo, e que não se dissolve num momento
ruim. Nas travessias, quando parece que o barco vai pender para um lado, é que
cada um precisa pegar seu remo e remar, rezar, pedir muito discernimento a Deus
para que a caminhada continue. A maré acalma e o barquinho vai atravessando. É
muito fácil ser unido, encontrar beleza quando está tudo bem. Mas é nos
momentos difíceis que a gente encontra força no outro. Os dois juntos é que
seguram o barco. Somos hoje uma família ‘Teresa de Calcutá’, estamos aqui
graças à sua intercessão. Ela disse que se um dia se tornasse santa, seria a
santa da escuridão. E ela foi até lá, com a luz de Jesus, iluminou e curou o
Marcílio. E foi uma cura plena.
16 – Como você avalia a graça que o Marcílio recebeu, e se
tornou possível a canonização da Madre Teresa?
Fernanda – Eu não questiono o porquê da minha família ter
sido agraciada para dar início ao processo de canonização. Quando eu estava na
Crisma, lembro-me que teve um encontro com o padre Cláudio, que era o pároco da
igreja de Aparecida na época, e começaram a fazer vários questionamentos, uns
até impertinentes. E ele disse: ‘quem tem fé, não tem dúvidas. Quem acredita,
não pergunta’. Isso me tocou profundamente. Então eu não pergunto: por que Deus
atendeu a minha oração e não atendeu a de outros? Meu pai sofreu muito após o
acidente. A medula dele ficou comprimida pela coluna. O nervo ciátio tinha
reflexos, a perna dele pulava, ele chorava de dor. E eu pedi muito, rezava
muito e não fui atendida. Eu queria que meu pai saísse andando sem dor. E não
consegui isso. Eu nunca vou perguntar a Deus porque meu pai não foi atendido e
o Marcílio sim. São mistérios de Deus, que não compete a nós perguntar e nem
saber. Deus sabe o porquê Ele atende um e não atende a outro. Se é mérito, não
sei, mas nunca vou perguntar isso para Deus. Só sei que Ele é soberano, um Deus
misericordioso, e sabe de todas as coisas. Na hora, a gente nunca entende, só
vamos entender mais lá na frente. Eu tenho obrigação de agradecer a tudo. Eu,
como o Marcílio, estamos numa grande euforia e alegre expectativa de conhecer e
encontrar-nos com o Papa Francisco. Não é orgulho, mas a alegria de participar
e agradecer a canonização de Madre Teresa.
Carlos Moioli
Postado por: Rádio Catedral 29/08/2016
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